Estreias

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Crítica - 'Bacurau'


   Bacurau, um tapa na cara da sociedade brasileira. Em tempos onde se tornou corriqueiro os brasileiros recusarem assistir o próprio cinema nacional em detrimento do ávido consumo exterior nunca teve tanto significado como nesta nova produção do cineasta Kleber Mendonça Filho (‘Aquarius’).  Afinal, sua mensagem aqui não reflete apenas em nosso cinema, mas sim o quão preocupante o povo brasileiro olha com desprezo à própria cultura.   

   Na trama, uma cidade fictícia situado no Nordeste Brasileiro chamado ‘Bacurau’ se torna alvo de estranhos eventos colocando em xeque seu futuro. Por mais simples e breve a sinopse, quanto menos informações e referências melhor a sua experiência.         

   A inteligentíssima direção assinada por Kleber Mendonça Filho em codireção por Juliano Dornelles não procura encontrar personagens fortes, mas sim abraçar como o grande protagonismo a cidade Bacurau. Para isso, sua direção apoia-se na personagem Teresa (Bárbara Colen) como a porta de entrada para o espectador conhecer a cidade e a comunidade. Mesmo apesar de o primeiro ato soar lento, é crível notar a presença de cada arquitetura, das características dos habitantes e da iconografia quente, pois tudo está em favor da forte imersão do público ao local em questão. 

   No decorrer da trama, a direção de Kleber Mendonça Filho muda drasticamente o tom convidativo do primeiro ato para adentrar em terrenos mais sinistros. O molde dos diferentes gêneros presentes na produção como - ação, faroeste, drama e o suspense -, torna a obra singular, pois todas elas tem suas estruturas muito bem construídas e concludente para as fortes mensagens implícitas. Afinal, ‘Bacurau’ carrega fortes metáforas ao retratar a etnia, o poder, o coronelismo, a política, a educação e principalmente, a cultura.

  Subvertendo as expectativas do espectador com boas reviravoltas e sugerindo fortes reflexões com o nosso próprio modo de agir e pensar perante não apenas ao nosso cinema, mas sim a nossa cultura. ‘Bacurau’ é original, alegórico, eletrizante, importante nos dias atuais, obrigatório para o povo brasileiro e o melhor filmes nacional da década.              


NOTA: 9,0  

   

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Crítica - 'História de Um Casamento'


   A complexidade da natureza humana sempre foi bem-vinda nas obras do cineasta Noah Baumbach. Foi assim com o excelente ‘Frances Ha’ (2012) abordando um estudo sobre o comportamento humano a partir de nossas conquistas e erros do nosso cotidiano. O mesmo se aplica em ‘Historia de Um Casamento’, porém com uma grande ressalva: acompanhamos o peso da perda e separação de ambos as partes do casal.  

    Logo no inicio, o cineasta Noah Baumbach prova de sua genialidade criando uma atmosfera afetuosa e reconfortante para o público ao apresentar o casal a partir de uma carta, a poesia em palavras. É questão de segundos para nós simpatizarmos com Charlie e Nicole que, logo em seguida, estão em processo de se separar. Infelizmente, estamos diante de uma história que chegou ao fim onde os detalhes são desfeitos de seus valores pretéritos, os costumes cobertos por ventos e a ruptura de emoções dolorosas e carregada de muitas verdades.    

  Nesse contexto, a direção de Baumbach apresenta os dois lados da moeda sem tomar nenhum partido de quem é o mocinho e o vilão, quem está certo ou errado ou procurar vitimizar os envolvidos. Eles são humanos com seus erros e acertos, defeitos e virtudes, frustrações e anseios. Sentimos na pele dos personagens como é estar em um divórcio, principalmente com uma criança envolvida no processo gerando idas e vindas de viagens, o forte impacto pelo grau de verdade em cena de cada palavra, ofensas e lágrimas proferidas pelo casal e até mesmo um amor vedado em momentos sutis de gentileza.


  Em meio a essa tempestade de emoções brilha as excelentes atuações de Adam Driver e Scarlett Johansson. A atriz ganha a atenção do público em poucos minutos de tela ao transmitir todas as suas frustrações diante de sua advogada (Laura Dern), além de carregar toda a dor de um casamento fracassado – Scarlett entrega a melhor atuação de sua carreira. Adam Driver segue o caminho oposto, se no começo ele aparenta ser calmo aos poucos seu descontentamento, sua voz interior vão ganhando escala gigantesca alavancando uma cena explosiva que pode gerar a estatueta do Oscar de Melhor Ator.         
 
  Interessante notar como Baumbach consegue pontuar momentos intensos de seus atores protagonistas pelos seus sutis movimentos de câmera, a presença dos advogados, o uso inteligente da trilha sonora composta por Randy Newman e pela tamanha realidade dos diálogos. É forte, pungente, difícil e não ficamos a mercê apenas do casal. Os personagens secundários favorecem diferentes visões do mundo como o caso dos diferentes advogados procurado por Charlie, Bert Spitz (Alan Alda)e Jay Marotta (Ray Liotta), e principalmente na atuação magistral de Laura Dern que promove um discurso sobre as diferenças de tratamento que a sociedade judaico-cristã estabeleceu para os papéis de pai e mãe.

   Sensível, verdadeiro, doloroso e puramente humano, ‘História de Um Casamento’ é um triste retrato do amor ocaso por palavras, atitudes, indiferenças e sermões, porém vivo quando menos nos aguarda nas entrelinhas do nosso cotidiano. 


NOTA: 9,7