Estreias

terça-feira, 16 de abril de 2019

Crítica - 'Em Chamas'


  O cineasta Lee Chang-Dong sabe como ninguém trabalhar a essência da natureza humana. Conhecido pelo espetacular ‘Poesia (2010)’, Chang-Dong deixa de lado a sua linguagem poética para entrar na sinergia das metáforas discutindo a condição humana em seu rico, complexo e reflexivo ‘Em Chamas’.   

   Na trama, o jovem e solitário Jong-su (Ah-in Yoo) vive em uma espécie de letargia, sem condições estruturais e anseios profissionais. Apresentando-se como um “aspirante a artista”, ele reencontra uma antiga colega de sala Shin, (Jong-seo Jun) que pede para cuidar de seu gato enquanto faz uma rápida viagem na África. Quando ela retorna apresentando Ben (Steven Yeun) , seu novo amigo, diferentes sentimentos começam a florescer no trio. 

   Passando por diferentes temas em sua narrativa, difícil decifrar qual o real objetivo a trama quer apresentar. E aqui está o grande cerne de ‘Em Chamas’, o roteiro assinado também por Chang-Dong ganha novos contornos a partir da interação com os três personagens e nos faz indagar sobre o que estamos diante. Quando pensamos qual a real intenção, o filme nos prova o contrário e nos desafia o tempo inteiro. 

   Questões sobre juventude, solidão, diferença de classes e sentimentos de rejeição e inveja estão todos presentes pairando a dúvida na mente do espectador. Dessa maneira, a direção de Chang-Dong subverte esses temas em meio a simbolismos que ganham cada vez mais relevância ao final da produção. Como consequência, ‘Em Chamas’ não está preocupado em nos fornecer respostas, mas sim oferecer metáforas para concluirmos nossas próprias interpretações.        

   E por fim chegamos aos complexos e ricos personagens, nas ótimas atuações de Ah-in Yoo, Jong-seo Jun e Steven Yeun. A primeira uma hora de filme está concentrada na perfeita construção das diferentes personalidades, Jong-su é um cara pobre, sozinho, sem nada a oferecer, mas vê como o cara certo para Shin. Ben é o contraponto perfeito, ele é rico, amigável, confiante e enigmático (não sabemos o seu passado e suas reais intenções). No meio desse triângulo, Shin é uma pessoa sozinha e perdida em seus sentimentos.

   Com a chegada da grande catarse nos minutos finais, o alegórico e reflexivo ‘Em Chamas’ permanecerá em sua mente mesmo depois dos créditos finais. 


NOTA: 9,0      

terça-feira, 9 de abril de 2019

Crítica - 'Pecados Antigos, Longas Sombras (2014)'



  Levando para casa 10 estatuetas incluindo de melhor filme no prêmio Goya 2015, o cinema espanhol apresentou ao mundo sua obra-prima moderna, ‘Pecados Antigos, Longas Sombras’. Características culturais e históricas espanholas, policiais destemidos e séries de assassinatos foram às peças para um trabalho impecável do diretor e roteirista Alberto Rodriguez e Rafael Cabos.     

   A história de ‘La isla Minima’ (do original), situa-se na cidade de Sevilla, nos anos de 1980, onde são evidentes os vestígios dos tempos sombrios que o país viveu durante a ditadura de Franco. Dois policiais de Madri são convocados a investigar o desaparecimento de duas irmãs durante uma festa. 

   O retrato da época pós-ditadura na década de 80 foi um show à parte. A competência do diretor Rodriguez provando de cores pesadas e frias revela o verdadeiro terror e opressão  de estar presente naquele período. Sua capacidade de criação visual, pondo à prova os diferentes enquadramentos - tomadas superiores  e a câmera subjetiva estrategicamente posicionadas -, oferece ao espectador a experiência única de estar na pele dos policiais realçando o cinema do suspense. 


   Com ideologias diferentes, a personificação dos policiais Juan (Javier Gutiérrez) e Pedro (Raúl Arévalo) não se vê em qualquer filme do gênero. O ator Arévalo incorpora o personagem com personalidade; seu olhar autoritário, seus gestos controlados e sua maneira severa de falar. Acima dele, Gutiérrez equilibra seu personagem com tom de suavidade e frieza, entregando uma interpretação fascinante. Justo a sua vitória como melhor ator na Academia Goya.                                         
   Apesar do seu ritmo lento, o filme prende a atenção do público pela crescente construção do suspense e as diferentes pistas deixadas ao longo da trama gerando dúvidas e  inquietação em nossa mente.  Sua dubiedade em seu ato final pode ou não agradar os fãs do gênero, mas  ‘Pecados Antigos, Longas Sombras’ é um dos melhores filmes policiais dos últimos anos e merece sua devida atenção. 


NOTA: 9,2

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Crítica - 'Under The Silver Lake'



   O diretor David Robert Mitchell conquistou sua devida atenção e prestigio na sétima arte; e não é pra menos, afinal há de se reconhecer sua contribuição por presentear a todos com um dos melhores filmes de terror da década, o ótimo ‘Corrente do Mal’ (2014). Com a expectativa lá em cima após a notícia de seu próximo projeto intitulado ‘Under The Silver Lake’, o cineasta e roteirista não mantém o mesmo nível de excelência de seu precursor.       

    A trama acompanha o  jovem Sam (Andrew Garfield), um sujeito despreocupado com a vida, sem motivações ou responsabilidades. Sua monotonia é rompida quando estranha o desaparecimento da noite para o dia de sua bela vizinha (Riley Keough), partindo para uma investigação cheia de mensagens subliminares, teorias da conspiração e insanidades.

   A princípio ‘Under The Silver Lake’ chama atenção do público pela sua ótima premissa, porém isso é apenas um décimo da trama. O roteiro de Mitchell não se prende a um fato, mas nos apresenta inúmeras peças para então montarmos esse quebra-cabeça, que no fim parece não ter pé nem cabeça. Há um matador de cachorros na redondeza, símbolos antiquados, números, histórias folclóricas, mensagens ocultas nas músicas e muitas referências à cultura pop.




  Em meio à todas essas mensagens subliminares, a direção de Robert Mitchell idealiza um mundo onírico/fantasioso com a realidade. Não estamos diante da genialidade das obras de David Lynch, e muitas das informações jogadas ao longo da trama acabam sendo soltas demais, ou não tem um forte impacto narrativo. Em defesa do cineasta, o clima neo-noir somado ao senso de paranoia e personagens creepy, prendem a atenção do público até o fim dos desdobramentos da investigação. Mas não é só por isso que ‘Under The Silver Lake’ se sustenta. A crítica à cultura pop é muito bem representada e escancarada ao retratar o egoísmo dos artistas em pensar no dinheiro e fama, ao invés de dar atenção àqueles que apreciam. Exige paciência e atenção do espectador em decifrar as mensagens ocultas. E por fim, o ótimo design de produção condizente com a atmosfera surrealista.

   Com boas doses da câmera subjetiva e objetiva, Mitchell capta a essência da trama colocando o espectador na pele do protagonista. A sensação é de estarmos perdidos junto com Sam na investigação, assim como a atuação decepcionante de Andrew Garfield. Já o elenco de apoio são todos subutilizados e não merecem menção honrosa.      

   A mensagem final de ‘Under The Silver Lake’ pode gerar diferentes interpretações. Se você é daqueles que não gosta de filmes complicados, metafóricos e que não oferecem respostas pra tudo, este não é seu filme. Porém, se você gosta de desafios e finais dúbios. Desejo bom proveito.


NOTA: 7,0