Estreias

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Crítica - 'Neve Negra'


    Ricardo Darín é um verdadeiro chamariz do cinema mundial. Basta o seu nome aparecer creditado no projeto e, muitas, mas muitas pessoas procuram assisti-lo, independente de tantos outros envolvidos na filmagem. Afinal, é um filme de Darín. Mesmo com uma pequena participação, o astro argentino rouba a cena e impede o suspense ‘Neve Negra’ ser um legítimo fracasso.           

  Na trama, Darín interpreta Salvador, um homem recluso em uma cabana no meio da Patagônia. Inesperadamente ele recebe a visita de seu irmão Marcos (Leonardo Sbaraglia), e sua cunhada Laura (Laia Costa) tentando convencê-lo a vender a propriedade em que vive para dividir a herança do pai, porém um traumático acontecimento de infância se tornará um obstáculo para o fim da negociação.
 
    Escrito e dirigido por Martin Hodara, retomando a parceria com Dárin depois de ‘O Sinal (2007)’,o diretor não tem pressa em contextualizar as contrariedades dos irmãos Salvador, Marcos, Juan e Sabrina (Dolores Fonzi). Em meio a situações, Hodara exprime uma forte linguagem lacônica, porém sem um quê de suspense e, sim um drama familiar reforçado pela fotografia fria e melancólica da patagônia argentina.                             
 

  Mesmo lidando perfeitamente com a fotografia para a construção da narrativa, o ritmo moroso do drama tira o ímpeto do espectador. ‘Neve Negra’ demora a engrenar e o recurso narrativo com o uso de flashbacks é desgastante, previsível e sem ímpeto. A trama cresce em seu clímax e quando chega lá, os letreiros começam a surgir. A solução rápida e barata, pouco convincente e previsível vai decepcionar grande parte do público.   
                 
  Se os recursos narrativos não oferecem a grandiosidade, quem está lá para compensar é Ricardo Darín. Mesmo como um coadjuvante, Darín rouba a cena na pele de um troglodita que consegue ser agressivo mesmo com poucos diálogos, Laia Costa também está bem demonstrando insegurança e pavor. Já Leonardo Sbaraglia (conhecido pelo ótimo trabalho em ‘No Fim Do Túnel’) é a linha condutiva para a trama progredir. 

  Mesmo com alguns brilhos da direção de Hodara em transitar o presente e passado com planos-sequências denotando as distintas idades dos personagens, e um trabalho técnico vistoso. ‘Neve Negra’ é aquele típico filme que comprova a frase: “pelo menos tem Darín”.                  


NOTA: 5,9

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Crítica - 'A Garota Húngara (Demimonde)'


    Conhecer o cinema ao redor do mundo é sempre um privilégio para todos. Pouco visado pelo público em geral, o cinema húngaro coleciona verdadeiras obras-primas como, ‘As Harmonias de  Werckmeister’, ‘O Quinto Selo’, o recente ‘O Filho de Saul’ e muitos outros.  Dessa vez, o filme do momento na casa dos magiares, disponível na Netflix é, ‘A Garota Húngara (Demimonde)’.      

   Década de 1910, Budapeste. A trama conta a história de três mulheres, a famosa prostituta Elza (Patricia Kovacs), sua governanta Rozsi (Dorka Gryllus) e sua nova empregada Kató (Laura Dobrosi). Juntas elas criam uma complexa e bizarra relação culminando em uma coisa: assassinato. 

   A direção requintada de Attila Szàsz instiga o espectador logo de cara utilizando a não linearidade do roteiro. Com o suspense inserido, Szàsz conta ‘A Garota Húngara’ à partir da visão da pequena Kató e, junto com ela, passamos a adaptar aquele ambiente luxuoso, sofisticado, ganancioso e ao mesmo tempo com indivíduos eminentes. Com isso, as distintas personalidades de Elza e Rozsi são bem definidas e vão se intensificando afetando o comportamento da nova empregada.      

   Assim a direção de Szàsz brilha ao retratar essas diferenças envolto de um subtexto rico. A disparidade entre promiscuidade e ingenuidade, o papel do homem e da mulher na sociedade, amor versus dinheiro são todos muito bem explorados e a cineasta não fez questão em escolher um lado, apenas representar seus ideais no período datado. Que por sinal é representado pelos belíssimos figurinos e uma fotografia meticulosa a base de tons azuis e sépia distinguindo os sentimentos dentro da trama: a tensão e o conforto.      

   E como um bom filme europeu, ‘A Garota Húngara’ segue um padrão clássico dos filmes europeus. O ritmo lento, enquadramentos sofisticados, frames luxuosos, uma trilha sonora realçando grandes momentos, temas impactantes e atuações fortes estão todos presentes aqui. Com maior destaque para a atriz Dorka Gryllus que transmite com perfeição a frustração e a dubiedade do personagem, e vale mencionar também as atrizes Patricia Kovacs e Laura Dobrosi.      

  Nesse quesito, os méritos também vão para a diretora Szàsz que soube extrair as melhores atuações do seu elenco feminino. Sua movimentação de câmera, e enquadramentos muitas vezes utilizando de close-ups foi essencial para demonstrar os verdadeiros sentimentos de cada personagem. Por outro lado, o elenco masculino tem pouco a oferecer pelo simples fato do roteiro não desenvolvê-los, e buscar sucintas explicações do passado de seus personagens, inclusive de Elza, com diálogos expositivos.                     

  Mais próximo do drama e com um leve toque de mistério, ‘A Garota Húngara (Demimonde)’ não deve agradar a todos pela suas características do cinema europeu, mas para quem não tem problemas e se interessam pelas controversas de outros séculos, é um bom pedido.                                                                                                                                               

NOTA: 7,4


terça-feira, 22 de agosto de 2017

Crítica - 'As Diabólicas (1955)'


     Um dos gigantes do cinema francês, Henri-Georges Clouzot brindou o mundo com um dos melhores suspenses da história, “As Diabólicas (1955)”. O cineasta influenciou inúmeras obras do gênero com seu estilo nu e cru de representar o suspense em tela, e até mesmo sua estratégia de marketing foi copiada por ninguém menos que Alfred Hitchcock, em Psicose, cinco anos depois. Tornando-se um dos mais celebres diretores do cinema europeu nos anos 40 e 50, seu trabalho aqui tem um grande reconhecimento até nos dias atuais.                       

    ‘As Diabólicas’ conta a história de um triangulo amoroso, onde a carinhosa esposa (Véra Clouzot) e a amante (Simone Signoret) do tirânico professor Michel Delassalle (Paul Meurisse) se unem para matá-lo, devido ao seu comportamento sádico e violento. Juntas elas realizam o crime perfeito, porém, dias depois, o cadáver desaparece.  

   Fique tranqüilo, está é apenas a sinopse do filme e, estou evitando ao máximo revelar os segredos. Afinal, o grande truque de ‘As Diabólicas’ foi desenvolver com perfeição passo a passo os atos dos personagens, para assim imergir o público dentro da trama esperando qual será o próximo movimento. Em conseqüência, qualquer cena comentada pode prejudicar uma melhor experiência.

   Dessa maneira, Clouzot se mostra um gênio das nuances psicológicas e atmosféricas. Com três personalidades bem distintas apresentadas perfeitamente no primeiro ato, a dúvida paira na cabeça do espectador sobre as verdadeiras intenções de cada um, e os psicológicos dos personagens vão se corrompendo à medida que um novo segredo é revelado. Quando achamos que o suspense está instaurado, Clouzot prova o contrário envolto de uma brilhante teia de mentiras.                

   Envolvido nas artimanhas do mistério, para Clouzot cada pequeno detalhe é fundamental para construção do suspense. Dessa maneira, suas cenas são precisas destacando o essencial aos olhos do espectador, cada enquadramento tem suas diferentes finalidades, o movimento da câmera flutua silenciosamente em cada cômodo da escola e sua simbólica fotografia em preto e branco combina perfeitamente com o ambiente complementando elementos do terror ao suspense. E tudo isso sendo ressaltado pelo silêncio excessivo da trilha sonora.                    
 
   Não apenas tecnicamente impecável, Clouzot deu importância a todos os seus personagens em seu jogo de aparências. ‘As Diabólicas’ sugere que não só enganos uns aos outros, mas principalmente sobre quem somos.  Os alunos têm um papel importante para unir os artifícios do roteiro, o ator Paul Meurisse entrega uma atuação odiosa através de sua relação com a delicada interpretação de Véra Clouzot, e a transformação da personalidade da amante foi meticulosamente retratada na ótima atuação de Simone Signoret. Infelizmente, os outros dois professores do internato não tiveram material suficiente para trabalhar.                  

   Como praxe nos filmes de suspense, a reviravolta é uma das mais surpreendentes do cinema, lembrando que o longa foi produzido no ano de 1955 e, aquela cena final (sem spoiler), dispensa comentários. Como um dos grandes nomes do cinema Francês e do mundo, é sempre prazeroso revisitar as grandes obras de Clouzot e, para os amantes do gênero do suspense ‘As Diabólicas’ é um filme necessário. 


 NOTA: 9,5


terça-feira, 15 de agosto de 2017

Crítica - 'O Mínimo Para Viver'


   Em suas últimas produções a Netflix vem retratando temas significativos nos dias atuais. Foi assim com o controverso ’13 Reasons Why’ no inicio do ano, logo em seguida ‘Okja’ assinalou a força da logo da expoente do streaming ao discutir a cultura do consumo, e realizando duras criticas a indústria alimentícia. Agora, o mais novo filme da plataforma, ‘O Mínimo Para Viver’ traz como mote o distúrbio alimentar, ou melhor, a anorexia

  Uma jovem (Lilly Collins) de 20 anos sofrendo de anorexia começa a seguir um tratamento não convencional criado pelo Dr. William Beckham (Keanu Reeves), e embarca em uma emocionante jornada de autodescoberta em um grupo.      

  To The Bone’ (do original) marca a estréia de Marti Noxon (conhecida por escrever ‘A Hora do Espanto’ e ‘Eu Sou O Número Quatro’) atrás das câmeras. Aqui, o grande acerto da diretora foi retratar a anorexia como ela é, sem romantizar. É uma realidade dura, forte, intrínseca de uma mulher lutando constantemente, exposta para realizar o propósito de conscientização. Em conseqüência, uma mensagem implícita perdura ao longo da produção.             

   Entretanto, é visível ver o pouco apuro narrativo e técnico de Noxon. A partir da segunda metade, o filme se perde, prolonga mais do que o necessário e perde seu foco. O tema central perde espaço e permite a entrada de novos assuntos tratados de maneira superficial, como o passado da protagonista e a questão familiar. Ambos são interessantes, mas não tem peso narrativo por ser circundados por situações baratas, figuras estereotipadas e diálogos expositivos.     

   Quando o filme centra-se em retratar o convívio do grupo liderado pelo Dr. William, ele volta a crescer. Todos os personagens têm espaço em tela, e ‘O Mínimo Para Viver’ retrata as dificuldades de cada um deles e seus atos impensáveis. Dentre eles, vale destacar a boa atuação de Alex Sharp na pele do bailarino Luke na sutil amizade com Ellen, e a boa presença de Keanu Reeves como um terapeuta e desafiando as atitudes da nossa protagonista.
 
   ‘To The Bone’ também é aquele típico filme que depende de Lilly Collins para funcionar, e ela cumpre com perfeição. Entregando a melhor atuação de sua carreira, Collins vive a personagem e concede a introversão de Ellen de forma bastante expressiva, deixando sinais sobre o impacto emocional causado por um lar descomunal. Ela não aceita ajuda e mesmo quando se vê em situação de risco costuma tomar as atitudes mais incorretas, deixando o espectador angustiado com seu comportamento.   

   Abordando um tema recorrente nos dias atuais, ‘To The Bone’ têm uma importante função de conscientizar seu público, ensina aqueles que não têm muito conhecimento no assunto, retrata a dura realidade sobre a anorexia juvenil, mas cinematograficamente fica devendo muito. 

NOTA: 6,2


terça-feira, 8 de agosto de 2017

Crítica - 'Berlin Syndrome'


   A carreira da diretora Cate Shortland é um tanto quanto curiosa. Responsável por roteirizar seus dois primeiros filmes ‘Somersault’ e o muito bom ‘Lore’, Shortland sempre buscou autoridade em suas produções mostrando-se eficiente em dramas/romances e seus leves toques de suspense. Sem a sua assinatura no roteiro e concentrando exclusivamente no gênero do suspense, o resultado de ‘Berlin Syndrome’ ficou bem abaixo de seu talento.    

   A trama acompanha a fotografa, Clare (Teresa Palmer), curtindo suas férias em Berlim. Lá, ela encontra com o jovem carismático, Andi (Max Riemelt), e não demora muito para eles terem sua primeira noite de amor. Ao acordar, Clare se vê sozinha e presa no apartamento de Andi.       

   A direção de Cate Shortland pega emprestado certos recursos de suas produções anteriores. O primeiro ato relembra seu trabalho em “Somersault”, pela relação dos personagens Clare e Andi, assim como nas cenas mais picantes. E o suspense de ‘Lore’ justaposto no romance ganha mais força em ‘Berlin Syndrome’.     

  Próximo a um suspense psicológico, Shortland fracassa em conceder um clima soturno e angustiante para o espectador. Com um cenário perfeito para o gênero, a cineasta falha na decupagem em planos, utiliza uma trilha sonora convencional sem qualquer ímpeto para o suspense e acrescentou histórias paralelas desnecessárias a trama. Exemplos, a relação de Andi com seu pai, e certos momentos de Andi com Clare não têm nenhum impacto narrativo.         
 
  O roteiro assinado pela dupla Shaun Grant e Melanie Joosten, não desenvolve seus personagens e não simpatizamos pela protagonista. O passado de Clare não é investigado, a aparição repentina da atriz Emma Bading na pele de uma das alunas de Andi é interessante, mas pouco explorado, e o pobre clima de suspense não entrega a força do clímax. Para quem assistiu a obra-prima ‘Repulsa Ao Sexo’ de Polanski, vai decepcionar aqui.                 

  Mesmo com atuações muito boas de Teresa Palmer e de Max Riemelt (conhecido por ‘Sense8’), ‘Berlin Syndrome’ é esquecível, não faz jus ao talento de Cate Shortland e, caso alguém tem interesse em tramas como essa, recomendo a clássica trilogia do apartamento de Polanski. 
                

NOTA: 5,5



                         

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Crítica - 'Dunkirk'


   
   Muitos o consideram como um dos melhores cineastas de todos os tempos, outros bem, mais bem abaixo disso. A relação “ame-o ou deixe-o” virou regra quando citamos Christopher Nolan, e suas antigas produções até hoje dividem opiniões e são centros de boas discussões. Essa sensação não é diferente em seu já controverso novo filme, mas sejamos sensatos, Nolan da uma aula de direção em ‘Dunkirk’.                            
   Durante a Segunda Guerra Mundial, os soldados aliados da Bélgica, França e do Império Britânico são cercados pelas tropas alemãs nas praias de Dunkirk. Sob cobertura aérea, marítima e  terrestre das forças britânicas e francesas, as tropas são lentamente evacuadas.              
 
   A direção de Christopher Nolan retrata esse episódio em três momentos distintos: a terra, o ar e a água. Durante sua carreira, Nolan sempre se mostrou preciso em trabalhar a questão de tempo e espaço e, aqui, não é diferente. O diretor consegue conjugar perfeitamente a narrativa fragmentada nesses três espaços-tempos distintos, tornando ‘Dunkirk’ uma experiência angustiante e extremamente  imersivo.   

  Nesse processo angustiante e desesperador, Nolan apresenta seu amplo domínio da linguagem cinematográfica. Visualmente magistral, cada enquadramento entrega a real sensação de estar dentro de uma guerra, sua condução narrativa com uma ótima transição entre perspectivas, e a forte coerência rítmica pelo ótimo trabalho de edição e montagem imergi o espectador dentro da trama.               


  Sem contar o trabalho absurdo da edição e mixagem de som perfeitamente disposto com a trilha sonora do Hans Zimmer colocando o público dentro da guerra e sentindo toda a angústia e o desespero em cada conjuntura. É bem provável que veremos todas essas indicações no Oscar 2018! Falando nesses aspectos, para melhor experiência, assista ‘Dunkirk’ em IMAX e na maior tela possível!    

  O roteiro assinado pelo próprio Nolan não se preocupa em desenvolver seus personagens, e sim retratar o conflito em si. Com pouquíssimos diálogos, ‘Dunkirk’ se diferencia de outros filmes do gênero que mostram o horror da luta armada por meio da carnificina e a figura do protagonista, visto no recente ‘Até O Último Homem’. Aqui o verdadeiro protagonista são as praias de Dunkirk, e os bons atores Mark Rylance, Cillian Murphy e Tom Hardy são meros coadjuvantes. Muitos vêm criticando o descaso pelos personagens, mas ‘Dunkirk’ é um filme sobre guerra e não necessariamente de guerra.       
 
  Em ‘Dunkirk’ você não vera um roteiro complexo e atuações monstruosas, mas sim uma direção impecável de Christopher Nolan tornando seu mais novo filme uma experiência gratificante para os amantes do cinema e, com certeza, um dos melhores de sua carreira.                                                                                  
                                                                                                     
                                                          NOTA: 9,0