Estreias

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Crítica - 'Casamento Sangrento (Ready Or Not)'



   Ahh... se o cinema tivesse mais produções no estilo ‘Ready or Not’ ... tudo seria muito mais divertido. Estranho mencionar a palavra divertir dentro de um contexto majoritariamente assustador, porém é este o grande diferencial da obra dos cineastas Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet. Casando com maestria a comédia com o terror - caro leitor, bem vindo a melhor comédia de terror dos últimos anos. 

  
   A noite de casamento do apaixonado casal Grace (Samara Weaving) e Alex Le Domas (Mark O’Brien) ganham proporções sinistras quando a noiva é convidada a participar de um jogo aparentemente divertido cumprindo a tradição familiar de seu marido, para enfim ser oficialmente aceita como uma nova integrante. Mas o que ela não sabe é dos perigos por trás da tal brincadeira estabelecida há muitos anos pelos ancestrais da família Le Domas.

   
   A boa premissa é o ponto de partida perfeito para chamar a atenção de qualquer espectador. Por mais insano que pareça ser, os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet conduzem a narrativa com certa naturalidade e parte de um prefácio aparentemente sério, porém chocante, contemplando arrojados movimentos de câmera, com direito até  a alguns planos-sequência. Mais tarde o tom se torna perfeito, entrelaçando o horror pela luta da sobrevivência com o humor irreverente e politicamente incorreto, reservando momentos deliciosamente cômicos e bizarros. O mesmo se aplica a proposta do design de produção , anacrônica, brincando com a diferença cronológica do cenário ambientado em uma mansão vistosa e secular , bem como os figurinos característicos de cada personagem e as armas em contraposição com utensílios super modernos vistos na atualidade. 

   
   Enfim chegamos a cereja do bolo de ‘Ready or Not’ : os integrantes da família Le Domas e a atuação impecável de Samara Weaving. Os diretores oferecem tempo de tela para que cada personagem demonstre seus traços, motivações, irreverências, importante para as reviravoltas, com destaque a Nicky Guadagni, a tia demoníaca, e Andie MacDowell, a matriarca. Mas, o show fica por conta de Weaving transmitindo todo o pavor em cada cena, e o mais importante, nós torcemos por ela e vibramos por cada ato impiedoso seu. 

    Apesar do último ato soar apressado e cair em alguns clichês do gênero, 'Ready or Not’ é a grande revelação do ano, se torna um bom exemplar dentro de sua proposta, e ao final deixa o irresistível gostinho de quero mais.

NOTA: 7,8

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Crítica - 'O Irlândes'


   Mestre no gênero da Máfia, Martin Scorsese difere de suas antigas produções para entregar uma visão melancólica, fria e desprezível do sistema. Aqui, não estamos diante daquele estilo de ‘Os Bons Companheiros’ ou ‘Cassino’ com toda aquela glamorização envolto da violência e brutalidade do meio gangster. Seu ponto em ‘O Irlandês’ é concentrar as consequências comportamentais e emotivas daqueles que fizeram parte desse mundo maquinado nas entrelinhas.                  

     Baseado no livro “I Heard You Paint Houses”, de Charles Brandt, o longa acompanha a trajetória de Frank Sheeran (De Niro), um caminhoneiro e ex-combatente da Segunda Guerra que, torna-se o assassino da máfia ao se envolver com o poderoso mafioso Russell Bufalino (Pesci), e possivelmente o responsável pelo desaparecimento do notório Jimmy Hoffa (Pacino), presidente do sindicato nacional de caminhoneiros – uma das figuras políticas mais influentes dos Estados Unidos por décadas.

   ‘O Irlandês’ segue a cartilha à lá Scorsese tão bem conhecida pela sua forte concepção cinematográfica. A começar pelo ótimo uso de plano-sequência em tracking shot, o emprego de planos longos e sua mudança através da movimentação dos personagens, os close-ups pontuais definindo a força dos diálogos, a justaposição do voice-over, a quebra da quarta parede, a presença de símbolos católicos, o uso da música popular e a volta de suas antigas parcerias, De Niro e Joe Pesci. O resultado é simplesmente genial favorecendo não só a narrativa, como também a imersão do espectador a estória. 


   A proposta do ritmo lento e da longa duração é clara (3h e 30 minutos) para tal êxito, e por mais difícil de ser aceito pelo público casual aos pouco nos vinculamos de cada personagem presente. Dessa maneira, a montagem muito bem distribuída controla a passagem de tempo das três linhas temporais e ajuda a contextualizar a jornada criminal/pessoal de Sheeran e daqueles que fizeram parte dessa máfia.  Então, caro leitor, não fuja por conta da duração, só não deixe de apreciar uma dos melhores obras do gênero. 

   Aqui, Martin Scorsese confronta seu próprio estilo narrativo e entrega algo inovador para o gênero da Máfia. Antes a violência, a glamorização do sistema e a ostentação eram apreciadas em suas obras retratando o encanto no mundo do crime. ‘O Irlandes’ se opõe a esses elementos trazendo a dinâmica dos personagens (parcerias, intrigas e ameaças), a violência testemunhada e, consequentemente, reforça os diálogos poderosos e até mesmo as frases não ditas.   

   Com a narrativa construída a partir das recordações de Sheeran envelhecido, a complexa atuação de De Niro demonstra o quanto hoje suas ações do passado foram impactantes em sua vida e outrora, quando assumia as rédeas das situações em oportunidades pontuais de violência se mostrara frio, e muitas vezes sem reação nos momentos chaves. Diferente de como costumamos a ver, Joe Pesci é a frieza em pessoa e representa o poder das decisões sem ao mesmo levantar o tom de voz. Agora quem realmente rouba a cena é Al Pacino entregando um Jimmy Hoffa impaciente, irritado, verborrágico e com um vigor de causar arrepios.           

   Contemplamos a trajetória de Frank Sheeran, Russell Bufalino, Jimmy Hoffa e muitos outros fundamentais que moldaram não só forma de agir e pensar do protagonista, como também foram arquétipos de seus próprios finais. Ou seja, em outras palavras, estamos diante de um sistema causador de nossas emoções que nos faz questionar do senso moral, ético e até mesmo a fé, e este é a forte mensagem da obra-prima e do épico ‘O Irlandês’.
                                                                                                                             

NOTA: 10