Estreias

domingo, 25 de junho de 2017

Crítica - 'Os Olhos Sem Rosto'


   ‘Os Olhos Sem Rosto’ é uma obra-prima do horror do cinema francês. Sem grande notoriedade em uma forte época marcada pelo movimento da nouvelle vague, o gênero horror não tinha a influência da corrente e era alvo de críticas na sétima arte. Foi assim com os clássicos ‘Psicose’ e ‘A Tortura do Medo’, porém com o passar dos anos, seus verdadeiros valores e relevância para o gênero são notados até nos dias atuais.              

   Adaptado da obra de Jean Redon de mesmo título, ‘Os Olhos Sem Rosto’ conta a história do renomado cirurgião Génessier (Pierre Brasseur), que após desfigurar a face de sua filha Christiane (Edith Scob) em um acidente de carro. Ele começa a desenvolver um novo estudo capaz de realizar um transplante facial a partir de uma doadora viva, desfrutando suas mais belas pacientes.      

   A premissa por si só chama atenção de qualquer espectador pela sua originalidade descabida. Não existe ética ou moral, e os sentimentos de culpa, obsessão e loucura constroem o personagem do célebre cirurgião e a narrativa intrínseca e alegórica. Nessa formulação, a máscara perde seu simbolismo e o terror é estabelecido.       

    Assim a direção de Georges Fraju dá as caras e entrega o realismo brutal e o gore do cinema de horror. Nem todos são fãs do gore, mas o diretor consegue prender o espectador a partir dessas cenas angustiantes, sem exageros, e sim de pura genialidade - visto no episódio da operação que retira a face de uma de suas clientes e a aparição do rosto desfigurado de sua filha. E pensar que essas cenas foram realizadas da década de 60 é um absurdo! O trabalho de maquiagem é irretocável mostrando as conseqüências da cirurgia, além de contar com uma impecável fotografia em preto e branco associado às edições em fade-in/fade-out perfeitos para conceder o clima sombrio ao filme. Aqui é cinema de primeira qualidade!                               
 
   Diferente de outros cineastas consagrados do terror italiano como Mario Bava e Dario Argento, nenhum chegou ao nível de elegância de Fraju. Com 90 minutos de duração, seu trabalho é conciso, objetivo, e mesmo com poucos diálogos, e um roteiro despreocupado em desenvolver todos os personagens, ele consegue transmitir toda a essência do pavor a partir do momento que identificamos a apreensão e os atos desesperadores dos protagonista.     

   O ator Pierre Brasseur cria um lunático minimalista, sua assistente é impulsionada a atrair futuras vitimas na boa interpretação de Alida Valli (conhecida pelo ótimo ‘O 3º Homem’), e sentimos todo o abatimento e angustia de Christiane presa por uma máscara.  ‘Os Olhos Sem Rosto’ perde seu ímpeto no terceiro ato por apresentar uma solução simples, banal e rápida, mas isso não o deixa de ser uma obra-prima do horror que merece ser admirado por todos e, sim: certamente serviu como modelo do recente ‘A Pele Que Habito’ de Almodóvar. 


NOTA: 8,4

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Crítica - 'Grave (Raw)'


    Conhecido por fazer o público passar mal e desmaiar no Festival de Toronto em 2016, ‘Grave’utiliza como mote o canibalismo como jamais visto em telas. Diferente da maioria dos filmes convencionais vistos por espectadores de mercado em massa, ‘Raw’ (do original) criou um neo-clássico do horror Art House marcando a estréia da promissora diretora francesa, Julia Ducournau.   

   A trama acompanha Justine (Garance Marrilier), uma jovem introspectiva, vegetariana, ingressando na faculdade de veterinária. Na semana do trote, ela é forçada pelos veteranos a comer um pedaço cru de fígado de coelho e, após o evento Justine começa a ter reações alérgicas e um desejo incessante de comer carne, esteja cru ou não.   

      Escrita e dirigida pela jovem estreante Julia Ducournau, ‘Raw’ é intenso, visceral e brilhantemente angustiante e perturbador.  Há quem se engane por pensar da obra apenas mais uma para chocar seu público apenas por chocar, ou entregar cenas gratuitamente explícitas, como também exibir apenas um sadismo intencional. O cerne da trama é exatamente o contrário, quando esses elementos são inseridos para desenvolver a evolução e as vontades de seus personagens e, em conseqüência, tudo se tornar mais intimo e perturbador.    

    Dessa maneira, a direção de Ducournau e as atuações foram fundamentais para a concretização dessa tortura intimista. Os recursos narrativos e visuais da diretora foram essenciais para a desenvoltura da protagonista deixando seu lado mais tímido e frágil, tornando-se uma mulher madura e coberta de desejos de pura insanidade. E nesses nuances, brilhou a interpretação da atriz Garance Marrilier transmitindo o lado mais perverso de Justine, sem nunca mostrar nada forçado, mas sim algo tão humano capaz de prender a atenção do público e acentuando ainda mais as atitudes de sua personagem.         

    Esses são todos os elementos que tornam ‘Raw’ uma obra tão pesada, mas ao mesmo tempo excelente em sua proposta capaz de fazer o público desmaiar. A própria Ducournay lidou com a excepcional parte técnica para tal façanha, como a ótima fotografia elementar para a construção da protagonista e capturando seus delírios em close-ups (méritos na cena quando a câmera parada muda de planos apenas com o movimento da atriz). Temos também uma ótima cena envolvendo um plano-sequência. O ótimo trabalho de mixagem de som contando apenas com a respiração do elenco para causar tensão e a trilha sonora arrepiante, é uma das melhores do cinema atual remetendo a trilha do clássico ‘Suspiria’.      

    Mas com certeza estamos falando de uma obra que não deve agradar a maioria. Primeiro, por se tratar de um filme Art House, muitos acabam ignorando. Segundo, ele é realmente pesado e só quem tem estômago forte consegue ficar até o final e, por último, por tratar um tema visto pela maior parte como sádico.  
 
   Lembrando, por mais que ‘Raw’ não agrade boa parte do público, ele é excelente em sua proposta oferecendo uma visão única sobre o canibalismo e certamente permanecerá em nossa mente muito depois dos créditos finais.


NOTA: 8,5


terça-feira, 13 de junho de 2017

Crítica - 'O Lamento (The Wailing)'


   A Coréia do Sul vem mostrando sua força no cinema contemporâneo. A maior prova desse alvoroço cinematográfico foi confirmada pela qualidade de suas produções ‘Invasão Zumbi’ e ‘A Criada’ presentes nas listas dos melhores filmes de 2016 ao redor do mundo. E não demorou muito para eles presentear a todos, mais uma vez, o porventura suspense do ano, ‘O Lamento’.   

     O suspense conta a história de um vilarejo pacífico, cujos moradores passam a contrair uma misteriosa doença, tornando-os alterados a ponto de assassinarem todos à sua volta, para depois, morrerem de causas desconhecidas.  Para solucionar o caso, o policial Jong –Goo (Kwak Do-Won) suspeita que há algo sobrenatural, ligado a um estranho forasteiro e, enquanto investiga, sua filha começa a demonstrar sinais dessa doença.           

   Mesmo presente elementos clássicos para a construção do suspense, o cineasta Hong-jin Na (do muito bom ‘O Caçador’) trouxe originalidade em tela. O suspense não demora muito para ser instaurado na produção e, além de disso, o cineasta não se prende a um gênero para instigar o espectador. E esse é o grande mérito do filme, brincar com todas as possibilidades que o gênero pode oferecer, colocando o público dentro da trama, para futuramente entrar na zona do desconforto.                

   A narrativa conduz uma série de episódios em que os mistérios vão ser tornando cada vez mais complexos.  Dessa forma, temos um primeiro ato marcado por uma investigação policial sobre o real acontecimento da vila junto com o humor presente no protagonista e, ao mesmo tempo, um clima com um forte desconforto no espectador. O segundo ato denota o suspense e todos os misteriosos personagens. Já o terceiro ato reserva uma grande reviravolta e uma forte sensação de tensão, desamparo, ansiedade e incerteza. 
 
   Para todos esses sentimentos dominarem o público nos últimos minutos a construção narrativa e visual de Hong-jin foi essencial. O humor inicial deixa de existir próximos aos quarenta minutos de produção, e a própria trama começa a desconstruir a figura do policial para chegar ao ápice de seu suspense.  A fotografia também tem papel fundamental para conduzir a trama ao priorizar a iluminação natural reforçando a violência e o incomodo no espectador, principalmente com a chegada do soturno último ato.                             

   O roteiro assinado também por Hong-jin não deixa claro a real situação de certos eventos e prolonga mais do necessário, somando duas horas e meia de produção. Mesmo com uma duração relativamente alta, ‘O Lamento’ é mais um grande achado no cinema sul-coreano, merece ser conhecido por todos e tem tudo para ser o melhor suspense do ano.    


NOTA: 9,2


terça-feira, 6 de junho de 2017

Crítica - 'Contratiempo (The Invisible Guest)'


     O cinema espanhol vem ganhando maior notoriedade nos dias atuais. Nos últimos anos várias obras vêm sendo elogiadas ao redor do mundo e colecionando inúmeros prêmios possibilitando uma ampla distribuição em todos os locais.  Recentemente temos os ótimos ‘Pecados Antigos, Longas Sombras’, ‘Truman’, ‘Viver É Fácil Com Os Olhos Fechados’, o bom suspense ‘O Corpo’, e agora o filme do momento é ‘Contratiempo’.             

    A história acompanha Adrian Doria (Mario Casas), um empresário bem-sucedido, que precisa provar sua inocência pelo assassinato de sua amante. Em busca de uma defesa, ele recorre a melhor advogada da Espanha, Virginia Goodman (Ana Wagener).

    A direção assinada por Oriol Paulo flerta com seu último trabalho, o bom suspense mencionado ‘O Corpo’.  Aqui, ele mostrou estar mais maduro lidando perfeitamente com a mise en scène para criar o clima de suspense e acentuá-los nos momentos chaves da produção. Cada um dos cenários filmados em ‘Contratiempo’ são minuciosamente pensados associado a uma fotografia turva e fria a base de tons azuis, refletem uma elegância cinematográfica incomum em qualquer cinema.  

   O roteiro também de Oriol Paulo segue uma estrutura narrativa semelhante ao ‘O Corpo’ reservando surpresas inacreditáveis. Mais uma vez, o cineasta fez um ótimo trabalho de construção de personagens femininas misteriosas, além de mostrar como se deve prender a atenção do espectador até a grande conclusão preenchendo a obra com inúmeras reviravoltas. Não estamos falando de apenas uma única reviravolta no último ato como bastantes filmes do gênero costumam fazer, mas sim de várias.                               


    Assim entra o diferencial e o problema de ‘Contratiempo’. A trama move-se através de flashbacks ludibriando o espectador sobre as possibilidades do real acontecimento que levou ao assassinato da amante de Adrian Doria. Nesse contexto, várias reviravoltas instigam o público, mas muitas delas não causam um impacto necessário e o resultado pode soar excessivo para alguns, mesmo com a última delas ser muito bem desenvolvida.

    Diante desses elementos narrativos, o elenco e os recursos técnicos possuíram um papel fundamental. O ator José Coronado e a atriz Barbara Lennie estão excelentes em seus respectivos personagens secundários. Abaixo deles, Mario Casas tem algumas dificuldades em convencer em certas cenas,mas não compromete. A atriz Ana Wagener revela uma grande surpresa. E vale mencionar o ótimo trabalho da inventiva edição e montagem traçando os paralelos entre o presente e o passado, assim como a tonalidade da fotografia distinguindo os diferentes períodos.        

     Contratiempo’ abusou de suas reviravoltas para chamar a atenção do espectador. O resultado é excessivo, compulsivo, flerta com o absurdo, mas sempre convincente e deve agradar grande parte do público.                         
 
NOTA: 8,8


domingo, 4 de junho de 2017

Crítica - 'Mulher Maravilha'


  Os fãs já podem comemorar, ‘Mulher Maravilha’ é o grande acerto do universo DC. Os recentes ‘Batman VS Superman’ e ‘Esquadrão Suicida’ foram alvos de muitas críticas vindas por parte tanto dos críticos, quanto dos próprios fãs. Com certo receio, o primeiro filme-solo da icônica heroína surpreenderá e fará o publico aplaudir de pé no final de sua sessão.     

   A origem de Diana Prince (Gal Gadot), a princesa das Amazonas, treinada desde pequena para se tornar uma guerreira imbatível, nunca teve a oportunidade de sair de sua paradisíaca ilha Temiscira e ter seu verdadeiro reconhecimento. Porém, após salvar a vida do piloto Steve Trevor (Chris Pine), ela descobre que uma guerra sem precedentes está se propagando do mundo e decide deixar a paz de seu lar na certeza de parar o conflito.     

   ‘Mulher Maravilha’ é uma história digna de apresentação de uma heroína sem cair nas fórmulas batidas de seu gênero. A direção assinada por Patty Jenkins (conhecido pelo muito bom ‘Monster’) soube apresentar a verdadeira essência de sua protagonista entregando uma história empolgante sem descaracterizar a personagem conhecida nos quadrinhos.  Acompanhamos a evolução da Mulher Maravilha, e todas as suas características e motivações são muito bem definidas e surpreendentemente fiéis aos seus princípios.

   Outro grande mérito de Jenkins foi enaltecer sua protagonista em meio a seus enquadramentos e sem objetifica-la. Estamos falando de uma personagem feminina, onde seu foco está em exibir seu heroísmo e inocência, não sua sensualidade como nos desenhos dos quadrinhos. Tudo foi retratado de forma orgânica e todas as mensagens expostas na trama são representadas através de imagens. 

   O contraponto perfeito para o idealismo da protagonista foi à chegada do piloto Steve Trevor expressando sua visão mais cética do mundo. Nesse contexto entra a maior virtude de ‘Mulher Maravilha’, a diferença de ideologias, a adaptação da protagonista com o mundo humano e o horror da guerra. Tudo isso mesclado com boas doses de humor, cenas de ação e o carisma de todos os personagens. 

   Falando em carisma, Chris Pine entrega mais uma boa interpretação sendo fundamental para construção da personalidade de Diana. Contestada por muitos pela sua pouca credibilidade como atriz, Gal Gadot consegue transmitir toda a essência da mulher maravilha seja em sua inocência ou na força, porém notamos uma diferença de desempenho quando contracena com Robin Wright e Connie Nielsen, ambas absurdamente excelentes em seus papeis.           

   Já nas cenas de ação, a diretora segue um método semelhante aos trabalhos de Zack Snyder. A fotografia contraria as cores vivas de Temiscira com a chegada do último ato, o próprio CGI fica pesado nas últimas sequências de batalha, temos o uso excessivo da câmera lenta, e em outros momentos remete a jogos de vídeo games. Mesmo com essa vertente nenhuma deixa de ser empolgante.             

   ‘Mulher Maravilha’ é uma ótima história de origem de um super-herói e conduz o universo DC no caminho certo.


NOTA: 7,0