Estreias

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Crítica - 'The Tale (O Conto,2018)'


   Um dos grandes objetivos da sétima arte é valorizar sua mensagem frente aos dilemas da sociedade atual. Poucos filmes conseguem abordar temas impactantes e condecorar futuras reflexões e discussões sobre o assunto. E quando entra em questão o abuso sexual infantil, pouquíssimas produções retratam sua realidade tão nua e crua quanto ‘O Conto’. 

   Baseado nas tristes experiências pessoais da diretora Jennifer Fox, a trama acompanha Jennifer (Laura Dern) revisitando e confrontando seus traumas de quarenta anos atrás, após sua mãe descobrir sua história a respeito de seu relacionamento especial com os dois treinadores adultos de um acampamento.          

   Não estamos diante de uma obra fictícia, mas sim de uma triste realidade. Contemplar o crescente evento narrativo e suas conseqüências geradas mesmo após muitos anos provoca um misto de sentimentos ao espectador trazendo à tona uma recensão de indignação e emoção. O valor temático é tão rico que não estamos lidando apenas com o abuso, mas principalmente o disfarce da memória moldada a nos fazer seguir adiante.        

   Não obstante, a direção assinada por Jennifer Fox retrata com maestria todos os diferentes tópicos de sua produção. Estamos diante de um olhar difícil, ríspido e, infelizmente, factual sobre o abuso, o trauma, a cultura de diferentes época (vide na sensacional cena em que Jenny e sua mãe discutem) e o poder da memória. Nesse contexto, sua condução narrativa diverge entre o passado e presente de forma sempre orgânica respondendo idilicamente as dúvidas/subconsciente da protagonista.

   Todos os transgressores de seu abuso relatam suas versões, como se eles estivessem sendo entrevistados. Versões estas passadas, porém cada vez mais intensas e ganhando um grau de realismo crescente na memória de Jenny. E tecnicamente a direção de Fox é certeira ao brincar com a contraposição imagética entre o presente e passado, entregando cenas comoventes e criativas.               

   Não só isso, o design de produção entre os dois tempos é minucioso e importante ao facilitar a adaptação do espectador com os dois períodos. A princípio, o primeiro ato pode dificultar e soar arrastado, mas nada que impeça o prosseguimento da produção.  A edição e principalmente a montagem também merecem aplausos ao transitar perfeitamente entre o presente e passado (vide na cena quando Jenny está aprendendo a andar a cavalo).   

      Já o elenco, TODOS merecem destaques! Laura Dern, Elizabeth Debicki, Frances Conroy, Ellen Burstyn, John Heard e Jason Ritter estão excelentes em seus respectivos papeis. Com maiores destaques a Dern vivendo a conturbada, inquieta e perdida Jennifer adulta. Ritter dispensa comentários ao entregar um personagem tão humano, mas tão asqueroso e não duvido seu nome estar em grandes premiações. A Burstyn mesmo com poucas cenas mostra-se o porquê é uma grande atriz.      

       Definitivamente, o filme soube realçar cada valor de seu tema causando um misto de sentimentos a cada um de nós, principalmente quando estamos de frente a uma história real e não fictícia.  Com cenas memoráveis, angustiantes, atrozes, com uma mensagem poderosa e oportuna nos dias atuais, ‘O Conto’ é necessário para todos.


NOTA: 9,3

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Crítica - 'A Freira'


    A franquia ‘Invocação do Mal’ renovou os ares de um gênero tão desgastado nos últimos anos. Com enorme prestigio seja pela sua qualidade técnica, como também pela narrativa. Os dois filmes da saga apresentaram novos personagens marcantes e assustadores que conquistaram seus devidos destaques nas telas do cinema, com ‘Annabelle’ e agora a ‘A Freira’.  

   Tal fato é evidente pela forte campanha de marketing e a presença na lista dos filmes mais aguardados do ano. Mas será que ‘A Freira’ correspondeu o esperado ou seguiu a frustração do primeiro ‘Annabelle’? Vamos descobrir!   

   Na trama, o Vaticano nomeia o padre Burke (Bichir) para investigar o caso de uma freira encontrada enforcada na frente de um convento. Para isso, ele conta com a ajuda da noviça Irmã Irene (Farmiga) em sua missão, mesmo sabendo que ela ainda não fez seus votos.          
 
  Assim como os outros filmes da Franquia, ‘A Freira’ retoma o terror visual, físico e auditivo. Conhecendo o gênero, o cineasta Corin Hardy (responsável pelo bom ‘The Hallow’) realçou a atmosfera lúgubre passando pelos corredores sombrios do convento, bem como a floresta que o cerca. O pavor por estar presente àquele ambiente é efetivo, e a imagem da freira é mais um ótimo motivo para o longa ser assustador (vale ressaltar a ótima trilha sonora em sua aparição).    

   Como um filme particularmente atmosférico, Hardy não demora muito para causar sustos utilizando todos os elementos necessários para tal. O ótimo uso do reflexo, da câmera na mão e seus movimentos orquestrados para situar um determinado personagem com o ambiente em si pode causar um verdadeiro pavor para quem não está acostumado a ver esses tipos de produções. Porém, para aqueles que são familiarizados com o gênero reaverá cenas previsíveis e jumpscares pouco ousados.                   
 
   Agora para quem procura um ótimo filme de terror com um roteiro instigante, inteligente e alegórico. Aqui, com certeza, não é o caso! ‘A Freira’ busca entreter os fãs do gênero com seu clima sombrio e o beneficio de inserir diferentes subtramas/flashbacks sem coesão a narrativa para abusar dos jumpscares visuais e auditivos. Não há desenvolvimento de personagem, a complexidade sobre a origem da freira e a própria investigação é deixada de lado.                       
                            
  Conseqüentemente, os personagens são pouco exigidos. Porém, Taísa Farmiga entrega uma ótima atuação transmitindo toda a inocência da noviça Irene, mas no fundo enxergamos a sua coragem e curiosidade do local. Já Demian Bichir e Jonas Bloquet são meros coadjuvantes, o último servindo como um alivio cômico tolo a trama.     

    Superior ao primeiro ‘Annabelle’, mas inferior aos outros da franquia. ‘A Freira’ até tentou buscar originalidade em seu último ato, porém se absteve de ousar em seu roteiro e veio para assustar, como também divertir. 


NOTA: 6,7

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Crítica - 'Hereditário'


   ‘Hereditário’ - a nova safra dos filmes de horror do século XXI. Bem ou mal, muitas dessas produções dividiram a opinião do público com os excelentes ‘Corrente do Mal’, ‘A Bruxa’, ‘Ao Cair da Noite’ e o mais recente ‘Um Lugar Silencioso’. Flertando com o gênero do terror psicológico, o primeiro longa-metragem do cineasta Ari Aster segue essa mesma vertente.  

     Após a morte da matriarca da família, o casal Annie (Toni Collete) e Steve (Gabriel Byrne) e seus dois filhos começam a presenciar eventos sobrenaturais, especialmente a criança Charlie (Milly Shapiro). Com o terror instaurado, os segredos mais sombrios da família são revelados.                            
 
   Assim como a maioria dos outros filmes citados anteriormente, ‘Hereditário’ marca a estréia do diretor Ari Aster. E sua apresentação não podia ser melhor! Aster apresenta um domínio técnico invejável em seu primeiro longa-metragem compreendendo o real significado do terror psicológico. Aqui não há sustos baratos, mas sim uma criação de uma atmosfera densa, misteriosa, sinistra e crescente conforme a narrativa até a chegada do clímax assustador.  

   Nesse meio tempo, a direção de Aster envolve o espectador aos poucos levantamentos questionamentos sobre a real intenção da trama. Muitos temas são abordados em seu primeira metade pairando a dúvida do público sobre qual filme estamos realmente assistindo. Será sobre o drama familiar? Os segredos de uma família depravada? Sobre espíritos? Exorcismo? E esse é o grande mérito de ‘Hereditário’. 
 
   Quando o filme decide qual caminho prosseguir, o mistério/psicológico abre espaço para o assustador. Com grandes chances de inovar, ‘Hereditário’ volta a cair nos velhos clichês do gênero e muitas das perguntas levantadas durante sua narrativa se tornam autoexplicativas no último ato. Em compensação, somos presenteados com cenas intensas, arrepiantes e trágicas.                                 
                                
   E os elogios não param por ai, até porque temos a performance brilhante de Toni Collete. Mostrando-se uma mãe zelosa com seus filhos, mas também intensa nos momentos que lhe convém (vide na cena da mesa de jantar). Preocupada e ao mesmo tempo curiosa (quando sua amiga apresenta as entidades) e principalmente seu sofrimento pela perda. A atuação de Toni Collete merece ser reconhecida nas premiações. 

   Detentor de uma estrutura narrativa pouco convencional, ‘Hereditário’ pode dividir a opinião do público por tal conformação. Entretanto, coloca Ari Aster no radar dos promissores diretores e entra para o seleto grupo dos melhores filmes de terror do século.  


NOTA: 8,2