‘Devorar’,
o infeliz reflexo das indiferenças e imposições de nossa sociedade atual diante
da figura da mulher. Sob o olhar
feminino, a primeira obra do cineasta Carlo Mirabella David é rica em sua
complexidade ao entregar uma sensibilidade ímpar envolto da desgraça alheia. Aqui,
o cinema denúncia camuflado nas metáforas carrega uma forte mensagem a ser
repensada e instruída para todos nós.
A
trama acompanha a dona de casa Hunter (Haley Bennet) que logo após descobrir sua gravidez
de seu recém-marido Richie (Austin Stowell),
desenvolve a síndrome de alotriofagia, ou seja o desejo de comer substancias
não nutritivas como, gelo, terra, pilha, papel e entre outros. A partir disso,
todos buscam ajudá-la, porém no decorrer do processo notamos que este é o mais
simples de seus problemas.
A
narrativa aparentemente sem sentido ou pouco convidativa em sua premissa pode
passar despercebido para muitos, porém quanto mais nos aprofundamos mais
relevante e impactante ela passa ser. Nesse contexto, a direção do estreante
Carlo Mirabella David é genial ao estruturar uma vida perfeita ao casal a
partir da belíssima casa em que residem, o super emprego de Richie e a novidade da gravidez, tudo capturado
por uma iconografia limpa, superficial e metafórica contrapondo os personagens
mediante a sua importância social. Em meio a essa plenitude aparente, notamos
algo diferente no comportamento de Hunter mesmo antes de desenvolver sua
síndrome e quando a desenvolve; o cineasta recria uma atmosfera aterrorizante da
maneira mais intima possível tornando ‘Devorar’ um belo e excêntrico filme.
A
partir daí, ‘Devorar’ ganhar contornos obscuros ao gerar a apreensão e
desconforto no espectador a partir da sugestão, ou melhor do que Hunter pode
ingerir. Entretanto, não estamos diante de uma obra para nos fazer chocar, mas
sim para nos fazer refletir e sentir o processo pelo qual levou a protagonista
estar onde chegou. Conforme o longa progride, novas revelações vem à tona e,
assim, o filme entra em uma zona de desconforto ao abordar temas relevantes nos
dias atuais sobre a patologia, a psicopatologia, a solidão, o sentimento de culpa,
o peso dos traumas, o controle da mulher com seu próprio corpo e o controle que
a sociedade impõe com o corpo feminino.
Em
meio a esse caos, a atriz Haley Bennet entrega uma atuação perfeita na situação em que sua protagonista se
encontra, transmitindo uma naturalidade forçada seja pela sua forma de agir,
falar ou seus maneirismos, bem como seu desconforto, retração e controlada pela família presunçosa do marido.
O mesmo não pode se dizer para o fraco ator Austin Stowell que se prende a um papel convencional
de um magnata mimado, perdendo a chance de criar um dos personagens mais
odiados do cinema.

‘Devorar’ como o próprio título menciona é uma forte metáfora do
quanto uma mulher precisa engolir durante toda a sua vida as imposições, os
traumas, as injustiças, as indiferença, um casamento abusivo e as cobranças
pela família do próprio conjugue. O final é um tapa na cara daqueles que
levantam um dedo, eleva o tom de voz, subestimam e duvidam da capacidade, do
valor e do caráter de uma mulher.
NOTA: 7,5
Nenhum comentário :
Postar um comentário