Estreias

domingo, 7 de junho de 2020

Crítica - 'Devorar (Swallow,2020)'


    ‘Devorar’, o infeliz reflexo das indiferenças e imposições de nossa sociedade atual diante da figura da mulher.  Sob o olhar feminino, a primeira obra do cineasta Carlo Mirabella David é rica em sua complexidade ao entregar uma sensibilidade ímpar envolto da desgraça alheia. Aqui, o cinema denúncia camuflado nas metáforas carrega uma forte mensagem a ser repensada e instruída para todos nós. 

   A trama acompanha a dona de casa Hunter (Haley Bennet) que logo após descobrir sua gravidez de seu recém-marido Richie (Austin Stowell), desenvolve a síndrome de alotriofagia, ou seja o desejo de comer substancias não nutritivas como, gelo, terra, pilha, papel e entre outros. A partir disso, todos buscam ajudá-la, porém no decorrer do processo notamos que este é o mais simples de seus problemas.                            
 
   A narrativa aparentemente sem sentido ou pouco convidativa em sua premissa pode passar despercebido para muitos, porém quanto mais nos aprofundamos mais relevante e impactante ela passa ser. Nesse contexto, a direção do estreante Carlo Mirabella David é genial ao estruturar uma vida perfeita ao casal a partir da belíssima casa em que residem, o super emprego de Richie e a novidade da gravidez, tudo capturado por uma iconografia limpa, superficial e metafórica contrapondo os personagens mediante a sua importância social. Em meio a essa plenitude aparente, notamos algo diferente no comportamento de Hunter mesmo antes de desenvolver sua síndrome e quando a desenvolve; o cineasta recria uma atmosfera aterrorizante da maneira mais intima possível tornando ‘Devorar’ um belo e excêntrico filme.                
                
   A partir daí, ‘Devorar’ ganhar contornos obscuros ao gerar a apreensão e desconforto no espectador a partir da sugestão, ou melhor do que Hunter pode ingerir. Entretanto, não estamos diante de uma obra para nos fazer chocar, mas sim para nos fazer refletir e sentir o processo pelo qual levou a protagonista estar onde chegou. Conforme o longa progride, novas revelações vem à tona e, assim, o filme entra em uma zona de desconforto ao abordar temas relevantes nos dias atuais sobre a patologia, a psicopatologia, a solidão, o sentimento de culpa, o peso dos traumas, o controle da mulher com seu próprio corpo e o controle que a sociedade impõe com o corpo feminino. 

   Em meio a esse caos, a atriz Haley Bennet entrega uma atuação perfeita na situação em que sua protagonista se encontra, transmitindo uma naturalidade forçada seja pela sua forma de agir, falar ou seus maneirismos, bem como seu desconforto, retração e  controlada pela família presunçosa do marido. O mesmo não pode se dizer para o fraco ator Austin Stowell que se prende a um papel convencional de um magnata mimado, perdendo a chance de criar um dos personagens mais odiados do cinema.              

  Sem manter o mesmo ritmo lento nos primeiros atos, a direção do estreante Mirabella David soa apressada no último ato ao investir em resoluções rápidas dos casos e acaba destoando a atmosfera estabelecido inicialmente. Felizmente tal fator não interferiu na forte mensagem de sua produção perturbadoramente sensível diante da jornada do subconsciente de uma mulher traumatizada, fragilizada e tornada impotente na figura de um casamento aparentemente ideal. Não há como negar, esse filme é um prato cheio para todos os estudantes e formados em psicologia.   

   ‘Devorar’ como o próprio título menciona é uma forte metáfora do quanto uma mulher precisa engolir durante toda a sua vida as imposições, os traumas, as injustiças, as indiferença, um casamento abusivo e as cobranças pela família do próprio conjugue. O final é um tapa na cara daqueles que levantam um dedo, eleva o tom de voz, subestimam e duvidam da capacidade, do valor e do caráter de uma mulher.  

NOTA: 7,5
                         

Nenhum comentário :

Postar um comentário